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existirmos, a que(m) será que se destina?
liquidação de estoque (a propósito do caso de chantal dalmass).
verso: caetano, cajuína; imagem: fahrenheit 451
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en ce qui regarde la conduite de notre vie nous sommes obligés de suivre bien souvent des opinions qui ne sont que vraisemblables, à cause que les occasions d’agir en nos affaires se passeraient presque toujours avant que nous pussions nous délivrer de tous nos doutes; et lorsqu’il s’en rencontre plusieurs de telles sur un même sujet, ... la raison veut que nous en choisissions une, et qu’après l’avoir choisie nous la suivions constamment, de même que si nous l’avions jugée très certaine.
... em tudo quanto diz respeito à orientação de nossa existência, encontramo-nos, muitas vezes, obrigados a seguir opiniões somente verossímeis, visto que as oportunidades de agir nos negócios passariam em geral antes que pudéssemos nos livrar de todas as dúvidas. E quando se acham diversas dessas oportunidades de agir a propósito de um mesmo tema, ... a razão requer que façamos a escolha de uma delas e que, depois de feita a escolha, a sigamos com firmeza como se a tivéssemos considerado muito certa.
... em tudo aquilo que respeita à orientação da nossa vida, nos achamos, muitas vezes, forçados a seguiropiniões apenas verosímeis, dado que as ocasiões de agir nos negócios se escoariam quase sempre antes de nos libertarmos de todas as dúvidas. E quando se encontram várias dessas ocasiões de agiracerca de um mesmo assunto ... a razão exige que escolhamos uma delas e que, após tê-la escolhido, a sigamos firmemente como se a tivéssemos julgado certíssima.
...um barracão recoberto de pichações, com goteiras no teto, sem móveis e tomado de poeira e umidade.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2910201014.htm
Para lá são mandadas obras que não cabem mais no prédio principal, sobretudo os periódicos. A direção da biblioteca não permitiu fotografá-lo internamente.
Um passeio pelos quatro andares do prédio é desolador. Pilhas de jornais, guardados em caixas de papelão, estão cobertas de plástico para proteger da goteira incessante. Livros do século 19 estão empilhados de qualquer forma e recobertos de poeira.
Centenas de caixas com livros doados, sobretudo obras que foram beneficiadas pela Lei Rouanet e que deveriam ser distribuídas, permanecem intocadas e sujeitas à umidade.
Ele está sendo apresentado numa edição que se apresenta como “revista”, embora ainda utilize como base uma velha tradução de Leonel Vallandro, [...] e que é muito boa, só ficou anacrônica no quesito gíria [...]. Eu costumava me irritar com a aportuguesada Rosa (a personagem-chave do enredo) e fiquei feliz ao vê-la se tornar uma legítima e inglesa Rose. Mas parece que a dose foi demasiada e o remédio só piorou a doença: uma sucessão de palavras incorporou o Rose reconquistado. O leitor conhece uma polícia vagaRose? Pois aparece na página 152. E há um vagaRosemente tanto na 205 quanto na 296. Temos doloRosemente (155, 283, 336), doloRose (190, 279, 317), rancoRose (200), tenebRosemente (218), tenebRose (283, 295), indecoRosemente (291), prazeRosemente (239), temos “Roses, roses, roses, por todo o caminho” (234), ficamos sabendo que a vida não é cor-de-Rose (220), que “nem tudo são Roses” (270).depois de apontar outros sérios problemas de edição (erros de revisão, frases truncadas, passagens eliminadas), conclui o crítico: "Edição 'revista'!!! é esse o respeito que as editoras brasileiras têm pelos seus leitores (ou vítimas)".
Tenho três recados para o colunista José Sarney que, sobre ser mau literato e pior político, acaba de provar, em sua coluna de hoje, 15/10, na Folha de S.Paulo, que é péssimo latinista.
Meu ponto de partida é o seguinte trechinho do texto de Sua Excelência:
“Petrônio diz que Deus assim quis porque fez o medo antes de revelar-se. ‘Primus in orbe deos fecit timor’ (Primeiro no mundo Deus criou o medo).”
Primeiro recado: o segmento de verso aqui citado abre, realmente, o quinto fragmento poético atribuído a Petrônio; é mais conhecido, contudo, através de Estácio, que o reproduziu literalmente no verso 661 do livro terceiro da Tebaida, um poema épico em doze cantos, composto aproximadamente entre 80 e 92 da era cristã.
Segundo recado: a tradução perpetrada pelo Senhor Sarney está errada. Na verdade, o que o poeta diz é exatamente o oposto do que se lê na estapafúrdia versão deste maranhense que mataria de vergonha o grande Odorico Mendes, tradutor de Virgílio e Homero. Em latim lê-se o seguinte: “Primeiro no mundo [Primus in orbe], o temor fez os deuses [timor fecit deos]”. O sujeito de fecit [= fez] é o nominativo singular Timor [= o temor]; o objeto direto de fecit é o acusativo plural deos [= os deuses]; Primus in orbe é um aposto circunstancial do sujeito. Trata-se de uma construção corrente no latim, que apresenta como atributo do sujeito [Primus, “Primeiro”] um termo da oração que, em nossa língua, mais depressa tomaria a forma de adjunto adverbial [“Pela primeira vez”]. Teríamos, portanto, a seguinte tradução em bom vernáculo: “O temor pela primeira vez no mundo fez os deuses.” Claro e hialino para qualquer primeiranista de latim (no tempo em que havia primeiranistas de latim). Mas não para o Senhor Sarney, que, do alto de sua acadêmica onisciência, sisudamente mete os pés pelas mãos e vende gato por lebre a seus leitores.
Terceiro recado: já que o latim do Senhor Sarney não dá para traduzir nem sequer o título da fábula Gragulus superbus et pavo, de Fedro, onde se conta a história do gralho que se adornou com penas de pavão e levou uma coça dos pavões de verdade, ouso sugerir a Sua Excelência que decore e repita muitas vezes em português certa máxima latina feita sob medida para sua insigne pessoa : “Não vá o remendão além da alparca”. (Para os que sabem latim, aqui está ela em sua forma original: Ne sutor ultra crepidam.)
Sergio Pachá.
Quem paga a música escolhe a dança?
Marisa Lajolo (1)
Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso.
Narra as aventuras da turma do sítio de Dona Benta primeiro às voltas com a bicharada da floresta próxima e, depois, com uma comissão do governo encarregada de caçar um rinoceronte fugido de um circo. Nos dois episódios prevalecem o respeito ao leitor, a visão crítica da realidade, o humor fino e inteligente.
Na primeira narrativa, a da caçada da onça, as armas das crianças são improvisadas e na hora agá não funcionam. É apenas graças à esperteza e inventividade dos meninos que eles conseguem matar a onça e arrastá-la até a casa do sítio. A morte da onça provoca revolta nos bichos da floresta e eles planejam vingança numa assembléia muito divertida : felinos ferozes invadem o sítio e – de novo – é apenas graças à inventividade e esperteza das crianças (particularmente de Emília) que as pessoas escapam de virar comida de onça.
Na segunda narrativa, a fuga de um rinoceronte de um circo e seu refúgio no sítio de dona Benta leva para lá a Comissão que o governo encarregou de lidar com a questão. Os moradores do sítio desmascaram a corrupção e o corpo mole da comissão, aliam-se ao animal cioso da liberdade conquistada e espantam seus proprietários. E, batizado Quindim, o rinoceronte fica para sempre incorporado às aventuras dos picapauzinhos.
Estas histórias constituem o enredo do livro que parecer recente do Conselho Nacional de Educação (CNE), a partir de denúncia recebida, quer proibir de integrar acervos com os quais programas governamentais compram livros para bibliotecas escolares.* O CNE acredita que o livro veicula conteúdo racista e preconceituoso e que os professores não têm competência para lidar com tais questões. Os argumentos que fundamentam as acusações de racismo e preconceito são expressões pelas quais Tia Nastácia é referida no livro, bem como a menção à África como lugar de origem de animais ferozes.
Sabe-se hoje que diferentes leitores interpretam um mesmo texto de maneiras diferentes. Uns podem morrer de medo de uma cena que outros acham engraçada. Alguns podem sentir-se profundamente tocados por passagens que deixam outros impassíveis. Para ficar num exemplo brasileiro já clássico, uns acham que Capitu (Dom Casmurro, Machado de Assis, 1900) traiu mesmo o marido, e outros acham que não traiu, que o adultério foi fruto da mente de Bentinho. Outros ainda acham que Bentinho é que namorou Escobar .. !
É um grande avanço nos estudos literários esta noção mais aberta do que se passa na cabeça do leitor quando seus olhos estão num livro. Ela se fundamenta no pressuposto segundo o qual, dependendo da vida que teve e que tem, daquilo em que acredita ou desacredita, da situação na qual lê o que lê, cada um entende uma história de um jeito. Mas essa liberdade do leitor vive sofrendo atropelamentos. De vez em quando, educadores de todas as instâncias – da sala de aula ao Ministério de Educação – manifestam desconfiança da capacidade de os leitores se posicionarem de forma correta face ao que leem .
Infelizmente, estamos vivendo um desses momentos.
Como os antigos diziam que quem paga a música escolhe a dança, talvez se acredite hoje ser correto que quem paga o livro escolha a leitura que dele se vai fazer. A situação atual tem sua (triste) caricatura no lobo de Chapeuzinho Vermelho que não é mais abatido pelos caçadores, e pela dona Chica-ca que não mais atira um pau no gato-to. Muda-se o final da história e re-escreve-se a letra da música porque se acredita que leitores e ouvintes sairão dos livros e das canções abatendo lobos e caindo de pau em bichanos . Trata-se de uma idéia pobre, precária e incorreta que, além de considerar as crianças como tontas, desconsidera a função simbólica da cultura. Para ficar em um exemplo clássico, a psicanálise e os estudos literários ensinam que a madrasta malvada de contos de fada não desenvolve hostilidade conta a nova mulher do papai, mas – ao contrário – pode ajudar a criança a não se sentir muito culpada nos momentos em que odeia a mamãe, verdadeira ou adotiva...
Não deixa de ser curioso notar que esta pasteurização pretendida para os livros infantis e juvenis coincide com o lamento geral – de novo, da sala de aula ao Ministério da Educação – pela precariedade da leitura praticada na sociedade brasileira. Mas, como quem tem caneta de assinar cheques e de encaminhar leis tem o poder de veto, ao invés de refletir e discutir, a autoridade veta . E veta porque, no melhor dos casos e muitas vezes com a melhor das intenções, estende suas reações a certos livros a um numeroso e anônimo universo de leitores...
No caso deste veto a Caçadas de Pedrinho, a Conselheira Relatora Nilma Lino Gomes acolhe denúncia de Antonio Gomes da Costa Neto que entende como manifestação de preconceito e intolerância de maneira mais específica a personagem feminina e negra Tia Anastácia e as referências aos personagens animais tais como urubu, macaco e feras africanas; (...) aponta menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano, que se repete em vários trechos do livro analisado e exige da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura.
Independentemente do imenso equívoco em que, de meu ponto de vista, incorrem o denunciante e o CNE que aprova por unanimidade o parecer da relatora, o episódio torna-se assustador pelo que endossa, anuncia e recomenda de patrulhamento da leitura na escola brasileira. A nota exigida transforma livros em produtos de botica, que devem circular acompanhados de bula com instruções de uso.
O que a nota exigida deve explicar? O que significa esclarecer ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura? A quem deve a editora encomendar a nota explicativa? Qual seria o conteúdo da nota solicitada? A nota deve fazer uma autocrítica (autoral, editorial?) , assumindo que o livro contém estereótipos? A nota deve informar ao leitor que Caçadas de Pedrinho é um livro racista? Quem decidirá se a nota explicativa cumpre efetivamente o esclarecimento exigido pelo MEC?
As questões poderiam se multiplicar. Mas não vale a pena. O panorama que a multiplicação das questões delineia é por demais sinistro. Como fecho destas melancólicas maltraçadas, aponte-se que qualquer nota no sentido solicitado – independente da denominação que venha a receber, do estilo em que seja redigida, e da autoria que assumir – será um desastre. Dará sinal verde para uma literatura autoritariamente autoamordaçada. E este modelito da mordaça de agora talvez seja mais pernicioso do que a ostensiva queima de livros em praça pública, número medonho mas que de vez em quando entra em cartaz na história desta nossa Pátria amada idolatrada salve salve. E salve-se quem puder ... pois desta vez a censura não quer determinar apenas o que se pode ou não se pode ler, mas é mais sutil, determinando como se deve ler o que se lê!
(1) Prof. Titular (aposentada) da UNICAMP; Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pesquisadora Senior do CNPq.; Ex Secretária de Educação de Atibaia (SP); Organizadora (com João Luís Ceccantini) do livro Monteiro Lobato livro a livro (obra infantil), obra que recebeu o Prêmio Jabuti 2009 como melhor livro de Não Ficção.
Estamos (no Brasil) em pleno epicentro de uma polêmica nacional: o Conselho Nacional de Educação acabou de proibir a presença do livro "Caçadas de Pedrinho" (de Monteiro Lobato) nos acervos com os quais o Governo Federal provê livros para escolas públicas por considerá-lo racista e por julgar os professores incompetentes para lidar com a questão. Faço parte do grupo de educadores que considera a medida absurda. E vos pergunto: como os Estados Unidos (melhor dizendo, autoridades educacionais norte-americanas) lidam com obras como Tom Sayer, Aventuras de Huck , Cabana de Pai Tomás? Circulam nas escolas? Não circulam? Circulam com informações de que têm conteúdo racista? Tenho o maior interesse em saber, e de antemão fico muito grata. Abraço. Marisa Lajoloaqui se encontra a íntegra do relatório do CNE/MEC intitulado Orientações para que a Secretaria de Educação do Distrito Federal se abstenha de utilizar material que não se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista.