21 de jun. de 2010
os suplícios de são jerônimo
Tradutores veem erros em obras do vencedor de Prêmio da ABL
Fabio Victor
De São Paulo
Três anos após causar espécie ao dar seu prêmio máximo, o Machado de Assis (R$ 100 mil), ao economista Roberto Cavalcanti de Albuquerque, que escreveu um livro com o presidente Marcos Vinicios Vilaça, a Academia Brasileira de Letras volta a ter uma de suas premiações no centro de uma polêmica.
Tradutores apontaram erros que consideram "inacreditáveis" no trabalho do vencedor da categoria "tradução", o médico pernambucano Milton Lins, e contestam os critérios para a escolha dos laureados --por indicação, e não por inscrição.
Num poema do franco-uruguaio Jules Laforgue, em "Pequenas Traduções de Grandes Poetas -Volume 4", Lins traduz o que seria "têmpora" como "tampa" e transforma "fresca" em "frete".
Em outra obra, na tradução do poema "Zona", de Apollinaire, "les hangars de Port-Aviation" (os hangares [do aeroporto] de Port-Aviation) viraram "o hangar de algum Porta-Avião".
Os equívocos foram revelados pela tradutora Denise Bottmann, no blog naogostodeplagio.blogspot.com, e críticas ressoaram no meio.
"São sandices completas, não têm nada a ver [com o original]. Se o prêmio da ABL fosse um dicionário francês-português, já ajudava", afirmou Jório Dauster, tradutor de Nabokov e Salinger.
"A questão não é qualidade poética [da tradução], mas falta de domínio da língua para se aventurar a fazer suas criações", diz Bottmann.
Integrante da diretoria da associação brasileira de tradutores, Joana Canêdo definiu os erros como "aberrantes" e diz que escreverá uma carta à ABL questionando os critérios da premiação.
Ele próprio covencedor do prêmio em 2005, Ivo Barroso, tradutor de Rimbaud, declarou que "por aqueles exemplos que aparecem no blog da Denise, realmente há uma tradução fraca". "Mas a Academia tem o direito de dar o prêmio a quem ela quiser".
Barroso toca, aí, na questão nevrálgica. O fato de ser uma entidade privada, que vive às suas próprias custas, é bafejado pela ABL cada vez que se contesta sua conduta.
"Mas é o órgão máximo da literatura brasileira", diz Dauster. "Até em virtude de sua imensa importância histórica, tem uma responsabilidade social e pública por seus atos que ultrapassa em muito a esfera privada", emenda Bottmann.
Os indicados pelos acadêmicos não são divulgados.
Criado em 2003, o prêmio de tradução da ABL já foi dado a Boris Schnaiderman (2003), Bárbara Heliodora (2007) e Paulo Bezerra (2009), entre outros. O vencedor recebe R$ 50 mil.
MATÉRIA REPRODUZIDA DA FOLHA ONLINE, AQUI
imagem: Savoldo, São Jerônimo, National Gallery de Londres
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No livro "Sonetos de William Shakespeare", do premiado tradutor Milton Lins, você encontra muitas pérolas como esta:
ResponderExcluirSoneto 116
Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove.
Ao casório não vou dos homens sabichões,
Nem os tento impedir. O Amor não é amor
Que sofra alterações quando acha alterações,
Não se deixa inclinar por um removedor.
Acho essa discussão muito saudável, na medida em que chama a atenção dos leitores da Folha (que são muitos) para as questões envolvidas na tradução em geral e nos próprios critérios das premiações...
ResponderExcluirAbs,
Marcia
Nem Freud explica estes atos falhos!
ResponderExcluirNa verdade, Denise, você "pegou" o ponto central da questão: muito mais do que premiar algo que engrandeça a literatura - mesmo que, no caso, em forma de tradução -, a ABL - nem tão privada assim: verifique o quanto de dinheiro público a mesma "arrecada" anualmente - tem se preocupado, sim, em premiar seus apaniguados e apadrinhados, quando não seus próprios "padrinhos". É o que chamo de política em que "uma mão suja a outra". Parabéns pela exposição. Abraços, Pedro.
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