legal: a revista da associação australiana de tradução literária, disponível aqui.
29 de mai de 2013
26 de mai de 2013
25 de mai de 2013
khadji-murat, tradução de georges selzoff
ilustração de m. barychnicoff para khadji-murat, edição cultura, 1931
esta é para um caro amigo, que tão bem soube apreciar a beleza da tradução de khadji-murat, de tolstói, feita por georges selzoff (com a colaboração de allyrio meira wanderley). ela foi publicada em 1931 pela edição cultura, na bibliotheca de auctores russos concebida e desenvolvida pelo tradutor-editor selzoff.
transcrevo os dois primeiros parágrafos, onde o narrador conta a dificuldade que teve em arrancar uma bardana tártara, então florida, cujo vigor e resistência lhe fizeram lembrar a história de khadji-murat, que depois passa a narrar.
Regressava eu a casa pelos campos. Ia em meio o verão. Segada a erva, começava a ceifa do centeio. Há, nessa época do ano, maravilhosa variedade de flores: as dos trevos, vermelhas, brancas, perfumadas, penugentas; alvos malmequeres de fundo amarelo vivo; a colza dourada, rescendendo a mel; longo o caule, como o caule longo da tulipa, altas campânulas roxas e nevadas; e ervilhas desenrolando-se em trepadeiras; escabiosas flavas, rubras, róseas: com uma pubescência levemente corada, com um aroma agradável e sutil, a tanchagem lilá; e as centáureas, de um azul vibrante ao sol quando recém-desabrochadas e de um azul mortiço à tarde quando se vão fanando; depois, fraquinhas, passageiras, as da cuscuta, que cheiram a amêndoa.
Colhera grande ramalhete, e prosseguia, mas vi num fosso magnífica bardana violácea, em plena floração; uma dessas entre nós chamadas "tártara", que o foiceiro evita com cuidado, e separa do feno, para não picar as mãos, se porventura a cortou. Quis arrancá-la e pô-la no molho. Desci à vala e, expulso felpudo zangão que adormecera, enroscado e indolente, no coração duma flor, eis-me a desarraigar a planta. Foi bem difícil. Não só o caule ferroava por todos os lados, mesmo através do lenço onde enrolara a mão, como resistia tanto, tanto, que lutei quase cinco minutos com ele, dilacerando-o fibra a fibra. Desaferrada enfim, tinha em frangalhos a haste, e já não parecia nem tão fresca nem tão linda. Além disso, bruta e rude, não se dava com as outras, delicadas. Arrependi-me de haver destruído a flor, tão bela no seu canto, e joguei-a fora. "Que energia! Que vitalidade", me disse a mim próprio, recordando os esforços para desprendê-la. "Como se defendia, e como vendeu cara a vida!"
sabe-se que o russo não dispõe de artigo definido ou indefinido; daí, na tradução, tantas ausências - nem por isso, porém, gramaticalmente incorretas em português - do artigo indefinido que nos soa mais habitual: "maravilhosa variedade", "grande ramalhete", "magnífica bardana", "felpudo zangão".
quanto à ocorrência de várias orações reduzidas ("segada a erva", "expulso felpudo zangão", "desaferrada enfim"), nelas ressoa à distância a morfologia mais sintética do russo, porém sempre bem desenvolvidas num português leve, desenvolto e até quase coloquial ("fraquinhas", "bem difícil", "resistia tanto, tanto", "não se dava").
considero um trabalho admirável.
por isso tanto mais me surpreendeu a tentativa de leitura crítica de paula scarpin, em seu brevíssimo cotejo com a tradução de boris schnaiderman. reproduzo abaixo meus comentários naquela época, que havia feito aqui.
encontro na matéria de paula scarpin, aqui, um seu juízo sobre a tradução de khadji-murat, de liév tolstói, feita diretamente do russo por georges selzoff em parceria (para o arredondamento final do texto em português) com allyrio meira wanderley, em 1931.
diz a jornalista a certa altura:
[...] é possível perceber que em algum momento do processo o texto coloquial e fluente de Tolstói resultou em um português rebuscado e recheado de arcaísmos, com excesso de uso da ordem indireta. Num trecho do preâmbulo, por exemplo, onde Schnaiderman traduz: “Desci para o fundo da ravina e, depois de expulsar um zangão cabeludo, que se cravara no centro da flor e nela adormecera flácida e docemente, comecei a cortar a haste”, Selzoff escolheu: “Desci à vala e, expulso felpudo zangão que adormecera, enroscado e indolente, no coração de uma flor, eis-me a desarraigar a planta.”em primeiro lugar, não vejo no exemplo tomado a selzoff/wanderley qualquer "excesso de uso da ordem indireta" - na verdade, não vi absolutamente nenhuma ocorrência de ordem indireta; muito pelo contrário, nada mais direto do que "desci", "que adormecera", "eis-me a desarraigar".
em segundo lugar, utilizar o português do século XXI, mais especificamente o português corrente em 2012, como parâmetro para julgar "rebuscado" e "recheado de arcaísmos" o português de mais de oitenta anos antes, parece-me método de um anacronismo inqualificável. talvez uma possível estranheza que pode ter sentido a jornalista se deva à ausência de artigos indefinidos onde seu uso nos pareceria natural, como no caso do zangão.
mas, afora isso, o que haveria de tão arcaico e rebuscado em "vala", "expulso", "felpudo", "enroscado", "indolente" ou "desarraigar"? muito pelo contrário, bem menos coloquial e fluente parece-me o contraexemplo (tomado à tradução de boris schnaiderman) dado pela jornalista: "adormecera flácida e docemente"!
em suma, creio que, no afã de querer por alguma obscura razão desqualificar a pioneiríssima (e bela!) tradução de selzoff, a jornalista errou a mão.
podíamos passar sem essa.
perícia judicial confirma
jorge furtado rastreou extensamente e deslindou o mistério em torno de primavera das neves, aqui.
primavera das neves - ou vera pedroso, como mostrou jorge furtado - está entre os diversos tradutores que tiveram seu trabalho publicado de maneira espúria. em seu caso, a obra indevidamente apropriada foi sua tradução d'o morro dos ventos uivantes, de emily brontë, que tinha saído pela bruguera em 1971, reeditada várias vezes pelo círculo do livro (desde 1976) e pela art (1985). em 2007, a editora landmark publicou a tradução de vera pedroso com algumas alterações de pequena monta, atribuindo sua autoria à pessoa que fora contratada para fazer a revisão do texto.
em 2009, apontei a ocorrência do fato neste blog, bem como outra irregularidade da mesma editora em persuasão, de jane austen. por tais apontamentos, a landmark abriu processo não só contra mim, mas também contra raquel sallaberry brião, por ter mencionado o caso de persuasão em seu site jane austen em português, aqui, o google por ser o mantenedor do blogger e o domínio.br por hospedar o site de brião. foi solicitada também a remoção imediata do blog não gosto de plágio, pretensão esta indeferida pelo juiz.
o advogado da editora landmark, dr. alberto j. marchi macedo, na ocasião, informou à imprensa que "a Editora Landmark propôs a ação competente em face da blogueira Denise Bottmann por entender que as denúncias por ela apresentadas encontram-se totalmente desgarradas da realidade fática e das provas que serão produzidas no processo judicial, razão pela qual não existe qualquer cabimento quanto à acusação de plágio", aqui.
em 2011, o juiz determinou que as obras em questão fossem analisadas por um perito judicial. os resultados apontaram a ocorrência de 100% de plágio em persuasão e 88% de plágio em o morro dos ventos uivantes. os laudos periciais foram juntados aos autos em janeiro deste ano e o processo segue em curso, como se pode ver aqui.
fico contente que, gradualmente, se esteja fazendo essa pequena justiça póstuma a primavera das neves / vera pedroso.
foto de primavera das neves extraída daqui.
19 de mai de 2013
o triste destino de belas traduções
como algumas considerações são anacrônicas e despropositadas!
encontro na matéria de paula scarpin, aqui, um seu juízo sobre a tradução de khadji-murat, de liév tolstói, feita diretamente do russo por georges selzoff em parceria (para o arredondamento final do texto em português) com allyrio meira wanderley, em 1931.
diz a jornalista a certa altura:
em segundo lugar, utilizar o português do século XXI, mais especificamente o português corrente em 2012, como parâmetro para julgar "rebuscado" e "recheado de arcaísmos" o português de mais de oitenta anos antes, parece-me método de um anacronismo inqualificável. talvez uma possível estranheza que pode ter sentido a jornalista se deva à ausência de artigos indefinidos onde seu uso nos pareceria natural, como no caso do zangão.
mas, afora isso, o que haveria de tão arcaico e rebuscado em "vala", "expulso", "felpudo", "enroscado", "indolente" ou "desarraigar"? muito pelo contrário, bem menos coloquial e fluente parece-me o contraexemplo (tomado à tradução de boris schnaiderman) dado pela jornalista: "adormecera flácida e docemente"!
em suma, creio que, no afã de querer por alguma obscura razão desqualificar a pioneiríssima (e bela!) tradução de selzoff, a jornalista errou a mão.
podíamos passar sem essa.
veja-se também aqui.
encontro na matéria de paula scarpin, aqui, um seu juízo sobre a tradução de khadji-murat, de liév tolstói, feita diretamente do russo por georges selzoff em parceria (para o arredondamento final do texto em português) com allyrio meira wanderley, em 1931.
diz a jornalista a certa altura:
[...] é possível perceber que em algum momento do processo o texto coloquial e fluente de Tolstói resultou em um português rebuscado e recheado de arcaísmos, com excesso de uso da ordem indireta. Num trecho do preâmbulo, por exemplo, onde Schnaiderman traduz: “Desci para o fundo da ravina e, depois de expulsar um zangão cabeludo, que se cravara no centro da flor e nela adormecera flácida e docemente, comecei a cortar a haste”, Selzoff escolheu: “Desci à valla e, expulso felpudo zangão que adormecera, enroscado e indolente, no coração de uma flor, eis-me a desarraigar a planta.”em primeiro lugar, não vejo no exemplo tomado a selzoff/wanderley qualquer "excesso de uso da ordem indireta" - na verdade, não vi absolutamente nenhuma ocorrência de ordem indireta; muito pelo contrário, nada mais direto do que "desci", "que adormecera", "eis-me a desarraigar".
em segundo lugar, utilizar o português do século XXI, mais especificamente o português corrente em 2012, como parâmetro para julgar "rebuscado" e "recheado de arcaísmos" o português de mais de oitenta anos antes, parece-me método de um anacronismo inqualificável. talvez uma possível estranheza que pode ter sentido a jornalista se deva à ausência de artigos indefinidos onde seu uso nos pareceria natural, como no caso do zangão.
mas, afora isso, o que haveria de tão arcaico e rebuscado em "vala", "expulso", "felpudo", "enroscado", "indolente" ou "desarraigar"? muito pelo contrário, bem menos coloquial e fluente parece-me o contraexemplo (tomado à tradução de boris schnaiderman) dado pela jornalista: "adormecera flácida e docemente"!
em suma, creio que, no afã de querer por alguma obscura razão desqualificar a pioneiríssima (e bela!) tradução de selzoff, a jornalista errou a mão.
podíamos passar sem essa.
veja-se também aqui.
16 de mai de 2013
excelente notícia
recebi poucos dias atrás um ofício do gabinete da procuradoria da república no estado de são paulo.
finalmente saiu a determinação do ministério público federal sobre as fraudes cometidas pela editora martin claret contra duas obras de tradução de monteiro lobato - a saber, o lobo do mar, de jack london, e o livro da jângal, de rudyard kipling - que foram objeto de inquérito civil público instaurado pelo mpf em 2010, a partir de um pedido de representação que fiz àquela instância em 2009.
a decisão da dra. adriana da silva fernandes, procuradora da república, foi pelo arquivamento do inquérito, devido ao parecer técnico informando que a gestora dos direitos da obra lobatiana, nesse meio tempo, passara a tomar as providências legais contra a usurpação dessas traduções feitas por monteiro lobato. ótimo!
vale notar que o parecer técnico realizado pelo perito do ministério publico concluiu pela efetiva existência de "similitude evidente" entre as traduções de monteiro e as pretensas traduções em nome de pietro nassetti e alex marins, pela referida editora martin claret.
ademais, o que foi de precípua importância, a procuradora da república transcreveu e ressaltou em sua decisão a recomendação do perito técnico do mpf para que seu parecer fosse encaminhado às instâncias competentes:
a fim de que se possam propor novos aprimoramentos e instrumentos jurídicos de fiscalização das obras traduzidas e editadas e dos direitos dos tradutores no âmbito das políticas públicas de aquisição de livros como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a Política Nacional do Livro e Leitura (PNL - Lei 10.753/03) ou até mesmo de projetos de Leis importantes como o Projeto de Lei 4534;12, que altera o PNL e tramita no Senado, mas, sobretudo, a Lei de Direitos Autorais, objeto de longo processo de audiências, seminários, reuniões e consulta pública iniciada em 2007 e que estaria, atualmente, em fase de formatação de anteprojeto de lei pelo Ministério da Cultura.só podemos aplaudir a sensibilidade do perito do mpf e da procuradora da república em encaminharem parecer e decisão a outras esferas, para que possam proceder a uma mais efetiva proteção das obras de tradução.
- para a determinação de instauração de inquérito civil público, ver aqui
- para o cotejo de o livro da jângal, ver aqui
- para o cotejo de o lobo do mar, ver aqui
imagem: m. kajiya, aqui
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