

vico, para mim, é a mais sublime encarnação de nápoles, a desmedida, na sórdida e patética prepotência de um fim de mundo imperial indizível, onde um servil professorzinho provinciano, enlouquecido ao final da vida em meio à gritaria das crianças famélicas e semiesfarrapadas correndo pelas vielas imundas de seu bairro, relembra insciente suas estrênues e reiteradas tentativas, retrospectivo profeta profano armado de santidade, de deflorar os mistérios do mundo. do lodo brota o lótus.
nos idos de 80 passei uns bons anos estudando sua obra, em especial a ciência nova de 1744. naquela época marco lucchesi ainda não se abalançara à inigualável proeza de verter essa enormidade do intraduzível para o português. havia alguns excertos perpetrados pela boa vontade do professor antônio lázaro de almeida prado, talvez não exitosamente como teria desejado, e só. fiz alguns cometimentos privados, algumas quatrocentas páginas minuciosamente anotadas com a recuperação filológico-filosófica do latim florentinizado que, para vico, seria o frasco histórico que encerrava a essência da expressão humana de todos os tempos. nunca cheguei a concluir esse estudo. foi divertido, intenso, e aprendi um pouco de italiano.
assim, fiquei curiosa em ver a ciência nova publicada em 2008 pela editora ícone (devem ser uns poucos excertos, pois é um livro fino e a scienza nuova é um vasto volume). será instrutivo conhecer o recorte escolhido para a seleta e as soluções adotadas para um texto notoriamente vasado numa das linguagens mais intrincadas e obscuras de que se tem notícia em toda a história da filosofia - uma das razões pelas quais, aliás, além do isolamento de seu autor, a ciência nova nunca chegou a ter grande difusão.
imagens: vico; frontispício da ciência nova, ed. 1744
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